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segunda-feira, 16 de julho de 2018

Escatologia - 666

Fala, pessoal! Que caminhada já tivemos até aqui, né? Vimos um bocado de coisas. Algo que tem me chamado a atenção é como tudo isso deriva da Agenda Escatológica de Jesus e como aqueles posts deram uma base importante para aprofundar os diversos temas que surgem na Escatologia. Hoje vamos falar de outro tema hollywoodiano, mas que pouco tem a ver com os filmes: o número da besta.

Antes de prosseguir, deixe-me falar a mesma coisa que falei no post do anticristo: se você busca o sensacionalismo, vai se decepcionar. Esse post não é pra nutrir falsas expectativas. Você pode chegar aqui cheio de curiosidade e descobrir que não era nada do que estava pensando, justamente porque criou expectativas não baseadas na Bíblia, necessariamente. Dei o alerta, hein? Vamos lá.



Você foi no supermercado e viu que o preço do alimento era R$ 6,66. Eita! Alguém ligou pra você e o final do número era 666. Eita! Você tem um arquivo no computador com exatamente 666kb. Eita! Ou pior, você mora numa casa (ou conhece uma) cujo número é 666! Eita! Que número temível é esse? De onde vem toda a história sobre o 666? Comecemos com o texto bíblico:
"Aqui está a sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, pois é número de homem. Ora, esse número é seiscentos e sessenta e seis." (Ap. 13:18)
Primeiro vamos lembrar do contexto no qual esse texto está inserido. Em Apocalipse 13 vemos a emergência da besta da terra e a do mar. Esses dois são símbolos de grande perseguição contra a igreja e tem um significado tanto político quanto religioso (já vimos isso extensivamente nesse post -- estou partindo do pressuposto o post foi lido, para não ficar repetindo coisas). Há livros, filmes, posts, uma torrente de teorias sobre esse número e seu significado, porém, isso não é claramente revelado na Bíblia.

Em primeiro, creio que o básico é: isso não é um número literal. Ou seja, não estamos falando aqui exatamente do número seiscentos e sessenta e seis. Por certo que depois do 665 e antes do 667 vem o 666 como em qualquer conta de matemática, qualquer enumeração e por aí vai. A Escatologia não está abordando o numeral em si, mas o que ele representa. Tá, mas então o que esse 666 representa?

Pois é. Eis a questão. Pelo que pesquisei, as interpretações oscilam entre duas possibilidades: o 666 é a trindade da imperfeição (vou explicar depois) ou é uma referência a o império romano e seu domínio, em especial na pessoa de Nero (também vamos ver isso com calma). Vamos começar falando dessa segunda hipótese.


Os alfabetos antigos tinham diferentes funções. Em muitos casos, as letras também funcionavam como números: são os famosos números romanos, por exemplo (I =1, V=5, X=10, etc.). Isso também ocorria no idioma judaico e era chamado de "gematria". Várias outras civilizações antigas tinham esse sistema também; há um muito conhecido caso de Pompeia, onde arqueólogos encontraram uma inscrição que dizia "Eu amo aquela cujo número é 545", uma maneira de criptografar o nome da "crush".

Assim, quando João faz uso de um numeral pra se referir a uma pessoa, os leitores entendiam ao que ele estava se referindo. Naturalmente, portanto, João não escreveria esse número a esmo, mas o faria de uma forma que pudesse ser entendido e que fosse também um alerta para os cristãos, de modo que fosse algo relevante para eles. São esses os pressupostos dos estudiosos da abordagem geométrica que apontam que o imperador Nero seria o 666.

Em primeiro, devo alertar que, se você for criativo, consegue fazer tudo se encaixar no 666: Hitler, Mussolini, Mãe Joana. É tudo jogo da mente. Durante séculos muitos estudiosos têm tentando apontar e provar que o 666 refere-se a uma pessoa específica. Por isso, é importante pra essa vertente que seja uma realidade contemporânea de João, pra fazer sentido aos leitores: que seria o terrível imperador Nero.

Mas e quanto à variante 616? Em algumas bíblias você pode encontrar que há textos que mencionam 616 em vez de 666. Isso não foi erro de grafia, mas uma adaptação a outro idioma. Enquanto o original escrito por João trazia em seu contexto o peso do "666" para os leitores, conforme o texto foi sendo traduzido para o grego, era preciso adaptar a gematria ao novo idioma, para que ele também fizesse sentido aos leitores gentios. Isso claramente apontaria que Nero era realmente o nome indicado por aqueles números.

Há algumas objeções a essa teoria. Em primeiro, que os pais da igreja não faziam referência a Nero quando abordavam o número 666; ora, se isso já era tangente, porque não foi tratado como dogma? Por segundo, é que ainda que João escrevesse o texto em grego, pensava em hebraico. Qualquer um que fala ou escreve em outro idioma sabe o problema disso: o tradutor não apenas traduz o sentido literal das palavras, mas precisa traduzir o significado contido no outro idioma.

Não obstante, há alguns argumentos fortes para o significado do 666 como "Nero". Veja, por exemplo, que nos textos que se referem à "marca da besta", que estão logo antes de falar do 666:
A todos, os pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os livres e os escravos, faz que lhes seja dada certa marca sobre a mão direita ou sobre a fronte, para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tem a marca, o nome da besta ou o número do seu nome. (Ap. 13:6-7)
No contexto bíblico, a mão direita aponta para nossas ações, nossas atitudes, enquanto a fronte (ou a testa) apresenta a nossa volição, nossa vontade, nosso desejo de fazer as coisas. A marca da besta não deve ser tomada num sentido literal -- e tampouco poderá alguém ser marcado contra sua vontade: a marca da besta está intimamente relacionado ao desejo das pessoas em servir à besta e compartilhar de suas ideias. Não é uma imposição, é um ato voluntário das pessoas.

"Tá, tudo bem, mas e quanto a não poder comprar ou vender sem ter a marca?". É aqui que entra o argumento a favor de que o 666 estivesse se referindo a Nero. Nos tempos de João, os contratos de compra e venda precisavam ter um selo imperial para que tivessem validade, ou seja, a compra só poderia ser realizada se tivesse a "marca" do governo imperial.

Além disso, naqueles tempos, após uma adoração nos templos, o pagão obtinha um certificado que garantia que ele foi lá e realizou seu sacrifício. A partir desse momento, o cidadão era catalogado como adorador de César e negador de Cristo; com isso em mãos, eles tinham uma espécie de seguro para poder comercializar e não serem perseguidos. Assim, a marca tornava-se algo patente no dia a dia das pessoas.

Em um parêntese: o uso de marcas não é algo exclusive de Nero, era sim uma prática comum até mesmo no Antigo Testamento. Por exemplo, o escravo que escolhia continuar com seu dono após a libertação era marcado com um furo na orelha (Ex. 21:5-6), ou então soldados que marcavam em seu corpo algum símbolo que fazia referência a seu general ou nação que serviam.

De qualquer forma, a marca aqui pode apontar para Nero como sendo o detentor do significado do 666, visto que há argumentos que mostram que até mesmo a sua "marca" estaria relacionado com essa simbologia e apontaria para seu poderio e domínio sobre o mundo naquela época.


Por fim, o outro argumento para o significado do 666 está no simbolismo dos números no livro de Apocalipse. A Trindade Santa (333), o Deus perfeito (número 7 e os sete selos sempre sendo apresentados), todos eles apontam para significados na cultura judaica.

A outra vertente de interpretação do 666 afirma que o número não é explícito, ou seja, ele não aponta exatamente para uma pessoa, mas aponta para uma figuração que tem ligação com o número 6, repetido três vezes.

Durante a história do povo de Israel, o número 12 teve uma significância pra demonstrar a ideia de completude: as 12 tribos, os 12 apóstolos, etc. Se colocarmos o 666 no contexto do verso que vem logo a seguir, isso aponta para um contraste. Veja, o capítulo 13 de Apocalipse termina com o verso 18 (que é o 666), e o capítulo 14 começa assim:
Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, tendo na fronte escrito o seu nome e o nome de seu Pai. 
Se elevarmos 12 ao quadrado (12x12), chegaremos em 144. Colocar 12 ao quadrado já é um simbolismo de algo muito completo para o judeu. Quando se fala de 144.000, então! Nossa! Isso é tão completo que a pessoa mal pode mensurar! Numa época onde não se lidava com grandes números (não havia produção industrial ou comércio em larga escala), falar de centenas de milhares é algo totalmente sensacional.

Em outro parêntese: culturas que não lidam com grandes quantidades não têm relativos para eles em suas numerações. Por exemplo, em algumas culturas indígenas (falo por experiência, cheguei a pagar uma matéria disso na UFRR), no idioma tradicional das tribos se contava apenas com os dedos das mãos: o que passasse disso era chamado "muitos". Então às vezes se contava: 1, 2, 3, 4, 5, muitos.

Assim, quando voltamos a pensar nos números 666 e 144.000, há um contraste na escrita de João. Ele fala de um número completo, tão completo que mal se pode mensurar. E logo antes dele fala de um número que é "quase" perfeito. Isso pode ser visto na descrição dos selos, das trombetas e das taças.

A abertura do sexto selo (Ap. 6:12-17) apresenta uma visão de grande catástrofe, ao ponto que apenas o sétimo selo vem para dar conclusão a ele (Ap. 8:1-6). Os 7 selos, então são seguidos das trombetas. No clamor da sexta trombeta (Ap. 9:13-21) vem uma grande catástrofe sobre a terra, dizimando muitas pessoas e aumentando ainda mais a apostasia (endurecimento do coração para Deus); o clamor da sétima trombeta, por sua vez (Ap. 11:15-19) traz o reinado de Cristo, que põe fim às mazelas da sexta trombeta. O ciclo é sempre completado pelo 7º elemento, que é Jesus.

Essa ideia de ciclo fica ainda mais latente quando vemos os flagelos (que são as taças sendo derramadas). Em Ap. 15:5-8, João descreve 7 anjos, cada um com uma taça, todas elas "cheias da cólera de Deus" (vs. 7). No ciclo dos flagelos que cada taça traz, é o sexto flagelo que fala até da palavra "Armagedom", apontando pra grande destruição. Quando chega o sétimo, a ideia de completude fica evidente: "Então, derramou o sétimo anjo a sua taça pelo ar, e saiu grande voz do santuário, do lado do trono, dizendo: Feito está!" (Ap. 16:17)

Assim, o número 7 aponta para completude, para o fim do ciclo, para a resolução. Por consequência o número 6 é o "quase", é aquilo que tenta chegar à perfeição, mas não chega, precisa do sétimo. E isso é reforçado pela repetição. Por exemplo, a Bíblia fala várias vezes que Deus é "Santo, Santo, Santo", três vezes, para destacar a ideia de completude. Quando João, portanto, fala em "666", é como se ele dissesse: "Incompleto, incompleto, incompleto", a trindade da imperfeição.

Nessa corrente de interpretação, o que João está querendo dizer é que virá a besta (ou o anticristo) e, quando ele vier, tentará ao máximo ser como Cristo, tentará ser perfeito, tentará ao máximo ocupar o lugar do Sétimo, ou seja, será realmente o falso Cristo. O problema é que o 6 não é o 7, então mesmo que tente, ele nunca conseguirá ocupar o lugar que é de Jesus.


E agora? Qual é a resposta? O "666" se refere a quê, afinal de contas? Seria uma referência Nero, o terrível imperador que perseguia e matava os cristãos? Estaria João alertando os novos convertidos a cuidarem com o império romano, que com certeza os perseguiria e traria grande destruição? Ou estaria João demonstrando que haveria de vir algo ou alguém que se apresentaria como "quase perfeito"? Que tentaria ocupar o lugar de Cristo mas que ulteriormente não conseguiria?

São mais perguntas que respostas. E claramente não há resposta clara na Bíblia. Logo, o que tiramos disso? Tiramos que a Bíblia não quer revelar algo que talvez não seja tão relevante pra nossa carreira cristã. Escatologia não tem todas as respostas, porque não está aqui para satisfazer a curiosidade! Esses estudos servem para nos preparar, para apontar o caminho que devemos seguir.

Atualmente, entender o 666 é importante para não cairmos nas falácias sensacionalistas, seja dos filmes, seja dos diversos anticristos espalhados por aí (já falamos sobre isso, não se assustem). Quando o significado disso for revelado, com certeza saberemos o seu significado, porque Deus escolheu nos revelar parcialmente, para que estejamos preparados e nos apeguemos cada vez mais à Verdade e lutemos por ela, especialmente quando chegarem os dias difíceis!

Que vivamos uma vida de estudo da Palavra, para não sermos levados pelos ventos de doutrina errôneos que estão por aí e aqueles que ainda virão.
Seja Deus nosso guia e nossa luz!

S. D. G.

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